Desafios da Laudato Si


Jornada Diocesana

Desafios da «Laudato Si» por Frei Vitor Arantes
26 de Janeiro 2019

«Laudato Si» e seus desafios. (publicada a 15/V/ 2015)
A «Carta da Terra» afirma logo no preâmbulo que «estamos diante dum momento crítico da
história da terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro». A nossa Casa
Comum corre graves ameaças , porque os padrões dominantes de produção e consumo
estão a provocar devastação ambiental, esgotamento de recursos e massiva extinção das
espécies. (Carta da Terra ).O Papa Francisco deu à Igreja e ao mundo a «Laudato Si», que
Gael Giroud considera o «texto mais importante que o Magistério da Igreja publicou depois do
Vaticano II». Com estilo acessível e rigor científico, o Papa enfrenta a generalidade dos
problemas ecológicos do mundo, já tratados, em parte, em muitas instâncias nacionais e
internacionais. Em 2013, na receção ao Presidente do Equador , o Papa Francisco deixara
frase, que correu mundo:: «Deus perdoa sempre; homem, algumas vezes; a Natureza,
NUNCA». Com esta ideia de que com a «Natureza» não se brinca, a encíclica exorta crentes e
não crentes a parar rapidamente alguns comportamentos, que podem levar à destruição
nosso planeta. Em Dezembro passado, durante a Cimeira do Clima em Katowice (Polónia),
António Guterres, Secretário Geral da ONU, lembrava aos participantes que «não chegar a um
acordo global das nações, não seria apenas imoral, seria um suicídio». Também o Papa
Francisco, logo a abrir a Encíclica, escreveu que a «nossa irmã Terra clama contra o mal
que lhe provocamos por causa do uso irresponsável dos bens que Deus nela colocou»
(LS.2). E acrescenta que se torna urgente salvar nossa «terra oprimida e devastada, que
«geme e sofre as dores do parto» (Rm 8,22. Idem. 2)). Está em causa a sobrevivência da
pessoa humana. Perante situações como a dos resíduos não reciclados,(22), do
aquecimento global, da subida de nível dos mares e da fusão dos gelos polares, da
desflorestação (24) e alterações climáticas, que provocam as migrações(25), da escassez de
água potável (28,30), e eliminação da biodiversidade (33,34), ninguém pode ficar de braços
cruzados. Merecem palavra de elogio os responsáveis da Pastoral da Família, que
dedicaram este jornada a um tema tão candente como este: «A Família cuida da casa
comum». Por minha parte, procurarei elencar, entre outros, cincos desafios que a «Laudato
SI» nos coloca. Outros muitos poderíeis encontrar.
1. O desafio da corresponsabilidade de todos pela salvação do planeta.
Trata-se duma ideia transversal a toda a Encíclica «Laudato Si». Apesar de tantos
alertas, falta ainda uma consciência claramente assumida, por parte dos indivíduos, das
coletividades e das nações, quanto à gravidade dos problemas, que afetam a Criação.
Já « Carta da Terra» de 2.000 avisava que «cada um de nós compartilha a
responsabilidade pelo presente e pelo futuro bem-estar da família humana e de todos os
seres vivos». A nossa sociedade, seduzida por consumismo voraz, na ânsia de possuir,
tudo parece sacrificar ao mito do progresso. Edward Wilson classifica, por isso, o homem
moderno como «assassino planetário», que dá cabo da biodiversidade e transforma o Éden
num «paraiso perdido». Já Paulo VI avisava a sociedade do perigo duma «catástrofe
ecológica como resultado da civilização industrial» (LS.4). Nossas grandes cidades,
envoltas num manto negro de poluição, estão a tornar-se irrespiráveis. Já se tornou normal
em muitas o uso de máscaras. A sociedade, numa inconsciência dramática, continua a
apostar no luxo, esquecendo que isso conduz ao lixo. (Roma 13.1.2019)) Na «Laudato
Si», o Papa lembra que o mundo está a «transformar-se cada vez mais num imenso
depósito de lixo». Todo o capítulo I da «Laudato Si» apresenta, com grande realismo, a
situação deplorável em que se encontra nossa Casa Comum, que exige que pessoas, países,
multinacionais, coletividades, associações, famílias, mudem de atitude. Importa reagir. . O
«Jornal de Notícias», de 24 de Dezembro, informava que milhão e meio de franceses
subscreveram um documento para levar o Estado Francês a tribunal, por inação climática,
porque nada faz para impedir o aquecimento global. Faz falta que muitos outros de
todos os países comecem a reagir. Hoje faz falta juntar-nos ao «movimento dos
indignados», que já se decidiram lutar a salvar o planeta. O Papa Francisco lança, por
isso, «convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do
Planeta» (LS.14)
2. Desafio da conversão ecológica.
Perante a gravidade dos problemas ecológicos
descritos no capítulo I da «Laudato Si» – O que está a
acontecer na nossa Casa»- um desafio bem difícil
nos é colocado. Como inverter tal situação? A
encíclica é clara: impõe-se uma conversão ecológica,
ou seja, decisão, pessoal e comunitária em assumir
um projeto de mudança. Isso implica por um lado, mudança de atitude comportamentais
e, ao mesmo tempo, «mudança do paradigma tecnocrático dominante, pelo lugar que ele
ocupa no ser humano e sua ação no mundo» (LS.101). «Ou nos decidimos todos a tomar
a sério a defesa da Casa Comum, ou seremos as próximas vítimas duma Natureza revoltada.
Afirma o Papa Francisco que «se a atual tendência se mantiver, este século poderá ser
testemunha de mudanças climáticas inauditas e de uma destruição sem precedentes dos
ecossistemas com graves consequências para todos nós» (LS 24). S. João Paulo II, já há
20 anos, exortava os cristãos e a humanidade a uma «´conversão ecológica global». Muitas
destas situações radicam no «consumismo desenfreado, nascido da mera lógica do ter », pelo
se torna necessário: criar um «mecanismo de mudança e de conversão comunitária» (LS
219). Como nunca antes na história, o destino comum pede um começar de novo. (CT) Nosso
ecosistema encontra-se doente, com febre e precisa de cura. Uma Declaração Budista
afirma que «quando a Terra adoece, também nós adoecemos, porque fazemos parte dela»
((EF.Martin Nuñez. p.241). «Isto requer uma mudança de mente e de coração. (CT) A encíclica
vai mais longe, afirmando a necessidade «duma nova relação com a natureza, que só é
possível, se houver «um novo ser humano» (118), que, por sua vez, implica purificar o «
próprio coração e seu relacionamento com a Criação» (LS.216). Não se pode «pretender
sanar nossa relação com a Natureza e com o ambiente sem sanar todas as relações básicas do
ser humano» (LS.119), incluida a relação com Deus. Há necessidade duma educação para a
sobriedade.(LS.332), que implica mudanças profundas «nos estilos de vida, nos modelos de
produção e consumo, nas estruturas consolidadas do poder que hoje regem as sociedades».
A crise ambiental não resulta apenas de causas físicas, mas de condenáveis com portamentos
humanos» ( EF. MN.48)
3.Desafio do Bem Comum.
Um terceiro desafio da «Laudato Si» é um convite vigoroso à urgência de colocar o
bem comum acima dos interesses individuais ou mesmo nacionais, se queremos mesmo
salvaguardar a Natureza. A Casa Comum, pertence a todos, não pode ser posse de
alguns. Cidadãos, coletividades e estados, têm o dever de lutar por um planeta mais
saudável, porque assim o exige o bem comum (157). ), porque é essa a finalidade da
sociedade e do estado.(LS 157). A interdependência entre a pessoa humana e a natureza é
tal que qualquer agressão a algum elemento dum ecossistema prejudicaria o resto da
criação e o bem da própria sociedade. O direito de possuir, administrar e usar os recursos
naturais implica também o «dever de prevenir os danos do meio ambiente e de proteger os
direitos das pessoas». (Carta da Terra). A «Laudato Si» cita os bispos portugueses, segundo os
quais o bem comum «é um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à
geração seguinte» (CEP 15/9/2003 (LS.15). Lipovetsky (Era do Vazio), atribui o vazio do
bem comum à sociedade, que promove o individualismo como ideal de felicidade e que se
limita à defender interesses particulares e o lucro duns poucos em prejuízo do bem de
todos. «As corporações multinacionais e organizações financeiras internacionais devem
atuar com transparência em benefício do bem comum e ser responsabilizadas pelas
consequências das suas atividades » (CT). Mais, a defesa da Casa Comum é importante
não só para a sociedade atual, mas também para as gerações futuras. É dever de
todos deixar um planeta habitável para a humanidade, que virá depois de nós» (LS.160).).
Felizmente, percorreu-se já um longo caminho na consciência de que o Bem Comum exige
que defendamos a saúde do «Planeta, casa comum da sociedade» (164). São já muitas as
organizações internacionais, que se batem pelo bem comum dum planeta mais digno para o
homem. Evoquemos as diversas Cimeiras internacionais, como a Conferência de
Estocolmo (1972), de Joanesburgo (2002), o Cume da Terra (Rio 20o2) e mais recentemente,
a Conferência sobre as mudanças climáticas (Paris, 2015). a publicação da Carta da Terra
(Haia. 2.000). A nível das religiões evoquemos a Assembleia Ecuménica de Seul (1990), que
pede aos cristãos para trabalhar por uma nova ordem, a partir do seu pacto com o Criador,
base de toda a criação»!
4.Desafio da Ecologia integral.
Comentado [FV1]:
A «Laudato Si» apresenta-nos um quarto desafio: a necessidade de promover uma
ecologia integral. Na defesa da casa comum não podemos limitar nossa preocupação
a um ou outro elemento da cada ecossistema. Temos de fomentar uma ecologia integral ,
que respeite todas as suas dimensões: ambiental, cultural, social, económico, político,
antropológico, espirituais (LS.137). Creio que o casal Virgínia e Pedro terá desenvolvido
exaustivamente este tema. Na ecologia integral todos os elementos da natureza,
químicos, físicos, biológicos, humanos, estão de tal forma interrelacionados entre si e com as
espécies, que a agressão a algum deles , prejudica a todos. Precisa-se, então, duma visão
abrangente, que valorize a interdependência orgânica de tudo o que existe (EF. MN. 242),
porque até a «lesão de solidariedade e da amizade cívica provocam danos ambientais.»
(142). Um exemplo: a 23 de Dezembro (2018) a TSF informava que em Andaluzia, com a
introdução de máquinas na apanha da azeitona, se estava a verificar verdadeira
mortandade das aves: dois milhões de aves mortas. Para uma ecologia integral devem
valorizar-se gestos e atitudes simples e ao alcance de cada um, como promover a
limpeza das ruas. Aqui é de todo importante realçar a tarefa da Família para sensibilizar
as gerações mais novas na necessidade de proteger os bairros periféricos, os parques,
os rios e os mares. Precisa-se mais do que uma «cidadania ecológica», que se limita a
informar, sem formar.(LS.211) Mais do que nunca importa sensibilizar as gerações novas
para a necessidade de limitar do uso do carro particular, de limitar o recurso aos
plásticos, a tudo que possa poluir a atmosfera, os solos, os rios e os oceanos. A Família tem
hoje papel importante na luta por cidades mais limpas e acolhedoras, fomentando uma
verdadeira «ecologia do homem». (Anedota. Num serviço público de Espanha, puseram
junto da escova da sanita este aviso. «Lembre-se que esta escova não é para limpar os
dentes. Use-a»!).
5. Quinto Desafio. Uma espiritualidade ecológica.
. O Papa lança aos cristãos, com esta Encíclica ainda um «grande desafio cultural,
espiritual e educativo, que implicará longos processos de regeneração», que é uma
ecologia de dimensão espiritual. «A espiritualidade cristã propõe uma forma alternativa de
entender a qualidade de vida, encorajando um estilo de vida profético e contemplativo, capaz de
gerar profunda alegria, sem estar obcecado pelo consumo» (LS.222). Como exemplo real desta
espiritualidade ecológica aponta S. Francisco , quando comparava a Terra, « ora a uma irmã,
com quem se partilha a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços» (LS.
1). Tal «espiritualidade ecológica» brota das « convicções de fé» (216). Segundo o Papa, S.
Francisco soube testemunhar uma «ecologia integral , que requer abertura para
categorias, que transcendem a linguagem das ciências exatas» (LS.11). Podemos
apresentar como código deste espiritualidade o «Cântico das Criaturas». no qual S. Francisco
trata como irmãos e irmãs o sol, a lua, as estrelas, a água, a mãe terra e a própria morte,
oferecendo-nos original ecologia de fraternidade universal. Gabriel d’Anunzio afirmou que
daria, de bom grado, todos os seus poemas pelo «Cântico das Criaturas. E S. Boaventura , ao
procurar os fundamentos desta espiritualidade, assinala que S. Francisco, «ao considerar a
origem comum de todas as coisas, a todos tratava com o doce nome de irmãos e irmãs».
convidando-as a louvar o Senhor como se foram racionais (11). E acentua que, por sua
relação a Cristo, S. Francisco recupera a Fraternidade universal que tinha sido desfeita pelo
pecado das origens, reencontrando o sentido luminoso
da criação. (Selecciones. P. 3). Seu biógrafo Tomás de
Celano, escreve que S. Francisco fala com os seres, vivos
ou não, através duma linguagem rica e expressiva, como se
de «seres dotados de razão» se tratasse (1 Cel.,81). De
facto, para S. Francisco a Natureza é « um livro
esplêndido, donde Deus nos fala e nos transmite algo da
sua Beleza e Bondade» (LS. 12). Segundo Eloi Leclerc,
«os seres e as coisas em S. Francisco adquirem valor de
sinais, que dizem alguma coisa de essencial, que interessa ao destino do homem. Convertemse
em linguagem que lhes fala do sentido luminoso da Criação». (Selecciones» art. Jesus
Montes p. 3). Com o Cântico das Criaturas S. Francisco recupera a ideia do «paraiso
terreal», recuperando a harmonia e a bondade de todos os seres criados. O paradigma
do mundo de técnica e do progresso, manipula a Criação. S. Francisco encara a Terra com o
olhar de Deus Criador, que liberta a Criação, oferecendo-nos uma visão sacramental do
mundo como mistério de comunhão. A partir daí, a teologia franciscana ensina que toda a
Criação se ordena a Cristo cume do processo cósmico, que faz do Universo Sacramento
da presença escondida de Deus! O mundo transforma-se para Francisco em catedral e
ostensório gigantesco, onde adora o seu Senhor. O homem que amansou o lobo de
Gúbio, que conversava com a irmã cotovia e com o irmão falcão, que convidava a irmã
lua e o irmão sol, o irmão fogo, a irmã água e a nossa mãe Terra a louvar o Senhor,
inaugura uma fraternidade telúrica e cósmica, num universo reconciliado.
* Através de S. Francisco, descobrimos não só a sacralidade do mundo, mas uma visão mística
do Universo! O Universo, Sacramento da presença escondida de Deus, constitui o espaço onde
todos devemos aprender a viver fraternalmente com toda a Criação. LOUVADO SEJAS, MEU
SENHOR!
Conclusão.